Quem é Ele?

“A sabedoria sempre soará com tons arrogantes nos ouvidos de um ignorante.” 

O centro filosófico da vila estava lotado. Lá dentro, o influente senhor Jasmim palestrava eloquentemente sobre o que existe além do desconhecido para a multidão que o assistia. 
“Sou menos do que uma pulga no pelo de um cachorro; por isso, não ouso definir Deus.” 
Todos os presentes se tornaram reflexivos, ponderando suas próprias ideias de mistério e reverência. 
Isso me fez lembrar da história de Rosa — a menina que a tudo questionava… 
Contar-vos-ei: 
Reza a lenda que há muito, muito tempo, há milhares de séculos atrás, antes mesmo da era dos Zagais, desabrochou em nossa vila uma menina a quem abençoamos com o nome de Rosa. Ela surgiu brilhantemente entre os grandes doutores da vila das fadas e desapontou, da mesma forma, os pseudoprofetas. Dizem que seus questionamentos levaram muitos deles à loucura. 
Pois bem; 
Além das terras das Malvas e à esquerda do mar de Ilusões, ficava a casa do casal, dona Roseira e o senhor Roseiro (conhecido como Roso). 
Eles eram os avós maternos de Rosa, uma garota de mente brilhante, profundamente inteligente e criativa e, por isso, incrivelmente inquieta e curiosa. Rosa era a neta mais nova entre os 999 netos do casal. A pequena tinha um quarto só seu na casa dos avós, onde era tratada com mimos, histórias, brincadeiras e muito amor. 
Dona Roseira era uma senhora simpática que adorava contar histórias, lendas e ensinar as rezas e benzeções que aprendera desde sempre pela nossa ancestralidade… Mas, naquela noite, as perguntas de Rosa iriam além das tradições. 
Já era tarde, e Rosa continuava acordada. Dona Roseira acabara de contar uma história, mas a menina queria saber mais. 
— Quem é ele? — perguntou Rosa, com os olhos grandes, curiosos e fixos na avó. 
— Ele é o todo-poderoso, o criador de tudo que existe, e por isso devemos obedecê-lo e reverenciá-lo — respondeu dona Roseira, com serenidade. 
— Agora feche teus olhinhos e reze comigo: 
“Santa folha seca, mãe do grande Universo, minha zelosa protetora, dê-me serenidade, ainda que o vento me atormente, renova as minhas esperanças, ainda que eu esteja murcha. 
Me proteja, me preserve e me ilumine, não permita que nenhuma tempestade abale as raízes da paz que me sustenta. 
Assim seja, aqui e além. Boa noite, pequena flor.” 
Mas Rosa, esfregando seus grandes olhos verdes, continuou indagando, ainda insatisfeita: 
— Vovó, posso fazer mais uma pergunta? 
Dona Roseira já sabia que a pequena Rosa era um galho difícil de dobrar e que, se a deixasse prosseguir, seria difícil fazê-la adormecer novamente. Entretanto, nem de longe poderia imaginar que a Rosa fosse tão ousada naquela noite. Após um suspiro de resignação, respondeu, ajeitando-se na cadeira: 
— Claro, Rosa. Mas sem delongas, está bem, minha doce criança? 
A menina deu um pulo sobre a cama, bagunçando o imenso edredom de pétalas perfumadas que a avó acabara de lhe cobrir. Colocou a almofada mágica da tia Lavanda entre as pernas e, com um sorriso largo — como se tivesse acabado de ganhar o prêmio de “flor do ano”. Disse: 
— Está bem, vovó, serei breve. E riu. 
Dona Roseira levou suas delicadas folhas palmares ao rosto, como quem se arrepende de algo. De fato, a pobre senhora estava mesmo tramada, coitada! 
A garota questionadora continuou, com os olhos brilhando de expectativa e colados na avó feito fita cola na avó, ela indagou a avó: 
— Quem definiu o todo-poderoso? Quem seria maior do que Ele para tamanha ousadia? Ei, vovó, a senhora entendeu as minhas perguntas? 
Dona Roseira ficou tão despetalada que já não sabia para onde olhar e, menos ainda, como escapar do olhar atento e curioso de Rosa. Suavemente, ela arredou a cadeira, suspendeu a imensa saia de pequenos botões até a altura dos tornozelos, e respondeu com uma calma quase ensaiada: 
— Princesa amada da avó… Eu só ensino aquilo que aprendi, como todos os outros que aqui estiveram antes de mim. E outra coisa: pediste-me para fazer uma pergunta, e acabaste por fazer duas questões que levariam muito tempo para responder. Falaremos mais sobre isso em outro momento. 
— Mas, vovó… 
— Vá dormir, Rosa. Sem delongas, lembra? Disse a doce senhora, apagando as luzes e ascendendo os vaga-lumes enquanto fechava a porta do quarto da neta. 
Rosa se acomodou em meio às grandes almofadas calmantes de sua cama, mas o coração curioso dela não descansou naquela noite, e dona Roseira também não conseguiu afastar as perguntas da mente. 
Sem sono e pensativa, disse ao velho Roso que iria tomar uma água fresca e já voltaria a se deitar. Ele resmungou algo como “se aquiete, mulher”, virou-se para o canto e voltou a dormir. Não demorou muito para que todos ouvissem seu ressonar. 
O relógio dizia que era cedo, dona Roseira sentia que já era tarde, e, ainda envolta na penumbra da madrugada, continuava a se questionar. 
A brisa fresca balançava suavemente suas folhas, exalando um perfume inebriante, e ela observava o balé das sombras enquanto, em pensamento incansável, repetia sem parar as palavras da neta. 
E, ao primeiro sinal do alaranjado amanhecer de outono, ela sussurrou ao vento sereno sua inquietação, como quem compartilha um segredo: 
— Eu nada sei! Talvez você saiba mais sobre Ele do que nós… 
E ficou ali, quieta, contemplando a grandiosidade do mistério que permanece além de qualquer resposta, enquanto a luz dos primeiros raios solares tingia o céu. 
Talvez seja um erro, em nossa humanidade, tentar definir aquilo que, por sua natureza, é indefinível, e talvez seja uma ingenuidade pensar que Ele ponderaria sobre nossas irrelevantes dores de cabeça, não é mesmo? 
Mas, por ora, é melhor deixarmos o Sol brilhar mais intensamente dentro de nós, mesmo que o céu esteja temporariamente cinzento. 
O Samsara seguirá seu curso… Om! 
Com gratidão; 
Dan Dronacharya. 

Sobre Dan

Estudante da consciência, Escritora e Professora de Yoga

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