Um Ensaio de Superação e Autocuidado
Ah, o Outono e suas delícias! Está frio lá fora, e os insistentes raios de Surya estão irradiantes. Quando tocam as poucas folhas orvalhadas e amareladas dos carvalhos, brilham feito diamantes.
Há quem diga que esta é uma estação de introspecção. Um tempo pra ficar sozinha ao pé da lareira e refletir sobre a vida, não é mesmo?
O Outono pode ser isso também, mas as outras estações também são, não? Então eu tenho a impressão de que nunca troquei de estação (risos).
Pois bem;
Enquanto teço essas palavras, sinto o aquecer dos raios de Surya na janela embaçada do meu escritório. É fascinante observar as formas que surgem com o calor no vidro, parece uma dança sutil entre o frio e o calor, onde as linhas se misturam em contornos que se desfazem e se refazem, tal como as lembranças que vêm e vão.
Aqui dentro, o anseio por respostas não cessa; continuo aguardando um sinal, como um náufrago abandonado numa ilha deserta, onde a solidão é uma paisagem interna, vastamente desconhecida, desafiando a razão e o coração.
Aqui dentro há uma angústia estranha e misteriosa rondando, como uma presença que silenciosamente me observa das sombras. Aqui dentro há uma angústia estranha e misteriosa rondando, como uma presença que observa das sombras.
Sua energia sombria aperta o peito, deixa as pernas inquietas, congela as extremidades e perturba imensamente o pensamento. O ar se torna denso, quase irrespirável, a consciência se distância e a mente fica presa em uma memória sem conseguir se desvencilhar.
Não sei de onde vem essa energia que é tão estranha e paradoxalmente tão familiar… O que sei é que isso já foi pior.
Antigamente: quando ela chegava, eu ficava toda roxa e trêmula, a voz sumia da minha boca seca, as pernas falhavam e era comum “fazer xixi” na roupa.
Eu não sabia de onde ela vinha e ela facilmente me possuía, e o vampiro que ali também vivia, se divertia com a vulnerabilidade que escorria da minha alma.
Aquele que disse que lhe amava foi o mesmo que quando lhe viu a hipotérmica e tremula lhe disse cruelmente que você poderia morrer de tanto tremer, ele é o mesmo que esperava você sair para fazer a chamada com a “coleguinha”, o mesmo que andou atrás do amor do passado por dois anos e covardemente culpou a si pelo contato, sim! Foi o mesmo vampiro que sabia que você tinha sido vitima de violência domestica, abusos e traições e prometeu proteção.
Muitos foram os comportamentos vis daquele que, aos olhos de todos, é um bom moço, um cavalheiro à primeira vista, mas que na verdade guardava um veneno nas entrelinhas de seus gestos, havia um brilho falso escondido por trás das palavras polidas.
Ele gostava de me torturar sendo cavalheiro com as colegas de trabalho e afirmando que eu para ser tratada daquela forma deveria fazer por merecer . Ele sorria enquanto minha dor florescia internamente, roubando-me a confiança aos poucos e alimentando uma insaciável insegurança que apenas ele compreendia.
Hoje,
Reconheço a astúcia dessa presença e a complexidade que envolve o poder invisível de manipular o que não é visto a olho nu. Virei segredo, haha!
Hoje, sei quando a tal energia se aproxima. Reconheço a minha fragilidade e faço dela a minha força, sei que não posso impedir sua chegada; tenho a certeza que ela me perturbará, mas também sei que não mais esmorecerei. Assumo que fui eu quem a alimentou durante todo esse tempo.
Ainda bem que com o passar dos dias, a gente aprende a manobrar esses fantasmas. Aprende a ver no espelho as cicatrizes e a reconhecer nelas a própria força, em vez da fraqueza. Aos poucos nos tornamos estrategistas e hábeis na arte da diplomacia e nenhum vampiro poderá saber de si.
Atualmente, o vento suavemente sopra nos meus ouvidos a direção exata de onde a energia estranha vem. Os corvos crocitam de forma peculiar, alertando-me sobre a intensidade do ataque, como bons mensageiros sombrios que trazem até mim os avisos das tempestades emocionais.
As mãos e os pés ainda gelam, mas já não impedem o caminhar; sou um segredo que aprendeu a pisar no gelo.
Os nervos me traem e ainda tremem, a angústia insiste em me abraçar, mas eu já não caio, adquiri firmeza atravessando o mar gelado das emoções.
Agora há algo de sólido e sereno dentro de mim, essa firmeza construída no Yoga me fez perceber que esse tipo de energia não me dominaria mais.
Os variados aromas exalados pela floresta do Norte também curam, despertam e aguçam os sentidos. Portanto, percebe-se o odor dos fétidos feromonas da perturbação ainda que estes estejam há quilómetros de distância.
Espero-os com a tranquilidade de quem recebe um mal vizinho. Tenho tempo e paciência, agora há força em mim para enfrentá-los sem medo. O Yoga ensinou-me que devemos aceitar aquilo que não podemos mudar. Hoje o tempo está a meu favor e sempre me espera calçar as botas.
As poções adoçadas com mel de laranjeira não falharão quando eu precisar curar as feridas obtidas na trincheira, as batalhas deixam marcas que exigem cuidado e doçura para cicatrizarem.
Algo mudou drasticamente depois da decepção que me golpeou…
Hoje sei que, se for preciso brigar, me impor para que o outro permaneça, é porque, na realidade, já perdi até a mim.
Foram muitas as guerras que tive que lutar até que eu entendesse que o amor verdadeiro é aquele que sinto por mim, ele nasce sem imposições, sem exigências e com muita paciência.
Não travo mais batalhas…
Hoje em dia, sei que nunca precisei disto, agora a armadura é para me defender. O mundo é insano e ainda se comporta como eu me comportava antes de entender que quem ama fica sem a necessidade de ter os pés atados para garantir um amor que, se verdadeiro fosse, não exigiria correntes.
Esse papel de lamento, de coitadinha, de que faz tudo para parecer digna de ser amada, é a maior falta de amor próprio que já vi, já vivi e que ainda vejo em muitas pessoas.
Impressionante como as pessoas inconscientemente seguem e repetem o velho padrão, corrompendo covardemente a mente de suas meninas, levando-as a acreditar que devem ser uma “menina pra casar”, a pessoa certa para fazer parte da sociedade que segue moldando-as para um amor que pede servidão, mas nunca liberdade.
Este é o cortejo fúnebre que todas passam: a menina, ou seja, a princesa despertará num castelo de gritos, ameaças, abandono e traições. Horrivelmente carregado de flertes travestidos de “coisas de trabalho”, o cenário revelar-se-á como uma prisão mascarada de felicidade da qual você não terá o direito de querer sair.
Entenderá, portanto, que foi colocada numa situação de “abate”; isto causará um grande impacto na jovem menina, e ela passará a duvidar de tudo o que existe e vive.
Inevitavelmente, a alma de princesa morrerá. Felizmente, não como uma tragédia, mas como um renascimento.
A morte dela fará com que caia por terra o adestramento paternalista que ainda caminha livremente, endossado e protegido pelas grandes instituições religiosas. Libertará a mulher, cujo o espírito emerge das ruínas de crenças impostas.
A dor da decepção será sua companheira fiel enquanto suas narinas puxarem oxigênio; entretanto, ela não mais a assombrará.
A certeza de que o amor não existe nas relações pré-moldadas, que não cabe num papel A4, lhe darão a segurança necessária para afirmar que a porta da rua é a serventia da casa.
Saberá, com toda a intensidade do seu ser, que AMAR é ter em mente que algumas feridas jamais cicatrizarão e que pelo sim ou pelo não, é melhor manter a serventia.
No fim, as coisas são como as folhas amareladas do outono que caem e são levadas pelo vento, deixa-se o que se foi para trás. Restando o que permanece vivo: a coragem de amar a mim mesma.
Dito isso ela saiu em direção a porta …
Hum, instigante mas por ora, é melhor deixarmos o Samsara seguir seu curso. Om!
Com gratidão,
Dan Dronacharya.